domingo, 16 de novembro de 2008

Royalties reforçam desigualdades entre municípios vizinhos

16/11/2008 - Tribuna do Norte

Wagner Lopes - Repórter

Caiçara do Norte, São Bento do Norte e Guamaré são três municípios da "Costa Branca" do Estado; ficam na mesma mesorregião, a Central, e na mesma microrregião, de Macau; têm entre suas principais atividades econômicas a pesca e a agricultura; e ocupam uma faixa litorânea que se distância apenas cerca de 50 km entre uns e outros. A diferença, ou melhor, a grande diferença é que os dois primeiros não têm petróleo, enquanto o último não só possui essa riqueza, como recebe ainda em seu território um pólo da Petrobras.

Essa diferença garante a Guamaré recursos mensais sete vezes superior ao dos seus vizinhos próximos e um Produto Interno Bruto seis vezes maior que a soma dos dois. Por exemplos como esse, o Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea) passou a defender a realização de um plebiscito nacional que permita a redistribuição dos royalties do petróleo, quantias repassadas a Estados e municípios que produzam essa fonte de energia, ou que estejam envolvidos direta ou indiretamente nessa produção.

O Ipea entende que hoje essa distribuição vem privilegiando regiões mais desenvolvidas, o que resultaria em uma concentração econômica cada vez maior, inclusive agora com as descobertas na camada "pré-sal", e defende que a aplicação desses recursos em fundos permanentes, que poderiam beneficiar até mesmo áreas não contempladas com o "ouro negro", tornaria mais justa a divisão dos recursos, diminuindo as desigualdades regionais.

Porém, para o economista e pesquisador do assunto, Mário Jesiel de Oliveira, essa não é a realidade potiguar, onde a distribuição seria mais equilibrada, e nem deve ser a primeira preocupação dos norte-rio-grandenses. "Essa proposta exige mudanças na lei federal e isso demanda tempo. Antes disso, temos de discutir o uso desses recursos, que precisam ser melhor aplicados", defende. Ele lembra que um estudo recente apontou que na maioria dos municípios produtores de petróleo do RN, a maior parte dos royalties, cerca de 90%, vão para custeio da máquina e não para investimentos.

Mário Jesiel defende que sejam criados comitês municipais, semelhante aos das bacias hidrográficas, nos quais representantes das câmaras municipais, das prefeituras e da sociedade civil possam definir o melhor uso das verbas disponíveis. "Seria uma espécie de orçamento participativo, uma forma de dar mais transparência à utilização dos royalties, que infelizmente hoje o prefeito pode, dentro da lei, usar em qualquer coisa, menos pagamento de pessoal efetivo e dívidas federais."

A criação desses comitês permitiriam, por exemplo, que os royalties fossem destinados a fundos como os propostos pelo Ipea e que são considerados uma ótima alternativa pelo pesquisador. "Temos de pensar nas gerações futuras. Em um fundo, esse dinheiro geraria dividendos que poderiam ser utilizados com certa freqüência e ainda permitiria se formar uma poupança para o uso futuro, ou em eventualidades, como essa crise financeira, que só não atingiu mais o Brasil porque o País tinha uma poupança", cita Jesiel.

Ele considera que a iniciativa de criar os comitês poderia partir dos próprios prefeitos, em um gesto que classifica como de coragem e transparência. "Não há nada que impeça", ressalta.

Nova divisão pode beneficiar o RN


A idéia de plebiscito para discutir a redistribuição dos royalties, lançada pelo Ipea, pode vir a beneficiar os potiguares. Isso porque, em princípio, o valor a ser redistribuído não seria o dos atuais repasses, mas sim os obtidos graças à futura exploração do petróleo encontrado na chamada camada "pré-sal", onde se estima haver reservas que colocarão o Brasil entre os 10 maiores produtores do mundo. Se forem mantidas as regras atuais, esse dinheiro não aumentará as verbas enviadas diretamente ao Rio Grande do Norte.

"Se não mudar a legislação, praticamente só Rio de Janeiro, São Paulo e Espírito Santo vão ficar com os royalties do pré-sal. Então para nós, do Rio Grande do Norte, seria uma boa essa redistribuição, que acho mais justa", considera. Ele acredita que isso não representaria a mudança nas regras atuais e, por isso, não significará prejuízos aos municípios que hoje dependem dos recursos do petróleo. Contudo, admite que não será fácil chegar a uma definição sobre o assunto. Isso porque atualmente tramitam no Congresso Nacional nada menos de 21 emendas propondo modificações nas regras de distribuição. "Não sei se de repente alguém pode pegar carona no pré-sal e mudar a legislação toda", admite. Porém, independente das idéias que vão ser, ou não, aprovadas pelos parlamentares, o fato é que a discussão deverá levar ainda muitos anos. E isso se torna algo negativo, diante do fato de que a legislação atual apresenta muitas falhas.

"A lei do jeito que está hoje é toda deformada", avalia Mário Jesiel. Dos 95 municípios potiguares que recebem royalties, apenas 15 têm direito por serem produtores em terra de petróleo. A grande maioria se beneficia de a lei incluir também todas as cidades que estejam na mesma mesorregião de algum município produtor, o que no caso abrange as regiões Central e Oeste do Rio Grande do Norte. "De fato, essa divisão é injusta. No Ceará, por conta de um ou dois, vários municípios recebem, e isso diminui o rateio para os demais", aponta.

Porém, nem todos nessa situação são contemplados. Angicos, São Bento do Norte e Caiçara do Norte são exemplos, pois estão na mesorregião Central, mas não recebem. O motivo seria o não atendimento, em tempo hábil, de algumas exigências feitas quando do início das novas regras de distribuição.

Por outro lado, segundo Mário Jesiel quatro prefeituras recebem royalties por contarem com liminares judiciais (Goianinha, Ielmo Marinho, São Gonçalo e Macaíba), já que o gasoduto Nordestão atravessa seus territórios. "Essa regra (de beneficiar esses municípios) valia até 2001 e deixou de existir, mas hoje essas cidades, por conta das liminares, recebem até mais que algumas que são produtoras", adverte.

Outro problema na legislação é que ela não define o uso dos recursos. "Até 1997 só podiam ser destinados para investimentos em energia, pavimentação, abastecimento de água, irrigação, proteção ao meio ambiente e saneamento, mas desde então não há mais vedações e os recursos agora só não podem ser utilizados para pagar o quadro de pessoal efetivo e dívidas federais", lamenta, lembrando que no mundo inteiro a prioridade é aplicar essas receitas em infra-estrutura e meio ambiente.

Divisão potiguar é menos desigual

O economista Mário Jesiel de Oliveira estuda o impacto social e econômico dos royalties do petróleo no Estado e entende que a realidade encontrada aqui é diferente da apontada pelo Ipea em nível nacional. O Instituto constatou que, em 2007, 83% dos R$ 3,7 bilhões repassados a prefeituras foram para municípios considerados de "alta renda". Esse é um dos principais argumentos utilizados na defesa do plebiscito, para que a distribuição seja mais equilibrada, beneficiando cidades menos desenvolvidas.

O pesquisador, no entanto, afirma que no Rio Grande do Norte o cenário é diferente. Dos 15 municípios produtores, apenas dois (Mossoró e Areia Branca) seriam considerados de médio desenvolvimento e alta dinâmica econômica. "Em lugares como o Rio de Janeiro concordo que os que têm mais renda recebem mais royalties, mas aqui se a divisão não é perfeita, ao menos não é concentradora. O dinheiro de forma geral vai para municípios pobres, como Upanema e Porto do Mangue", exemplifica.

Independente da redistribuição, ele acredita que os governos fariam melhor por suas populações aplicando esses recursos em fundos permanentes. "No Alasca, depositam o dinheiro em fundos que vão para a bolsa de valores. Os dividendos (rendimento obtido com as aplicações) são distribuídos diretamente com a população e o capital maior fica à disposição para ser usado no futuro", diz.

Hoje, ele lamenta que a maioria das cidades beneficiadas apresentem um alto grau de dependência dessa receita e não demonstrem interesse em planejar seu desenvolvimento a médio e longo prazo, o que seria fundamental inclusive para enfrentar a possibilidade de as reservas se extinguirem, ou mesmo o petróleo perder espaço para outras fontes de energia, e o dinheiro dos royalties deixar de existir.

Mário Jesiel ainda alerta para a necessidade de a sociedade manter um acompanhamento da utilização dos recursos dos royalties que vão diretamente para o Governo do Estado e que representam até mais do que os valores repassados a todas as prefeituras.

Prefeituras divergem sobre distribuição dos royalties

"O Oriente Médio não pode ser condenado por ter petróleo." A frase utilizada pelo chefe de gabinete da Prefeitura de Guamaré, Luiz Antônio de Melo, resume o argumento defendido pela administração, frente ao fato de o município receber, somente em royalties, valores que quadruplicam os repasses feitos pelo Tesouro Nacional. Ele lembra que o bônus da extração de petróleo não pode ser mais repartido do que já é, sob pena de as cidades produtoras ficarem apenas com o ônus da atividade.

"Já ouvimos várias vezes propostas de dividir esses royalties, mas ninguém lembra o risco que o município corre por ter aqui essa atividade, nem lembra que precisa ter boa infra-estrutura de suporte ao grande número de pessoas que trabalham nessa área e que geralmente vêm de fora, representando um aumento de 20% a 30% na nossa população", enfatiza. Para Luiz Antônio, a Prefeitura precisa, entre outras coisas, qualificar a mão-de-obra que trabalha em áreas como o pólo industrial. "E isso não se faz em seis meses, ou um ano, é um processo longo", ressalta.

Ele reconhece que a cidade poderia ser mais beneficiada pelas estruturas montadas pela Petrobras, caso houvesse pessoal especializado. Como isso não ocorre, a maioria dos bons empregos gerados fica com profissionais "de fora", que também trazem demandas para a administração. "Tem o lado negativo, a prostituição por exemplo. E sem contar que quando recebemos royalties, dificilmente conseguimos dinheiro de outros programas estaduais e federais. Por isso sou contra essa divisão. Será que Natal aceitaria dividir conosco os dividendos do turismo?", desafia.

Já o chefe de gabinete da Prefeitura de Caiçara do Norte, Fabian Bezerra, entende que a distribuição poderia ser mais equilibrada. "Hoje é muito concentrada. Precisamos de investimentos, como um hospital de pequeno porte, mas não temos recursos para isso. Se os royalties fossem compartilhados, facilitaria nossa vida", destaca. O Município recebe em média apenas R$ 300 mil por mês, de fundos federais, e somente com pessoal efetivo gasta mais de metade. "Temos as contas equilibradas pois sabemos os recursos que temos, mas se ganhássemos mais, certamente haveria onde investir tudo isso", diz.

A realidade é semelhante na cidade vizinha, São Bento do Norte. O tesoureiro da Prefeitura, Oton Bezerra, lembra que a única receita certa, mas limitada, é a do Fundo de Participação (FPM). "Em algumas cidades há indústrias, salinas e outras atividades que atraem investimentos e geram empregos e impostos, mas cidades como a nossa se baseiam somente na pesca e na agricultura", revela. Ele também considera que poderia haver uma divisão mais igualitária dos royalties, para contribuir com o desenvolvimentos das cidades mais carentes.

População não vê benefícios

Luiz de Souza Flor, de 39 anos, é pescador de Caiçara do Norte. Ele não quer para os filhos as mesmas dificuldades que enfrenta em sua atividade e já imagina como dois deles, que estão terminando o Ensino Médio, podem melhorar de vida. "Estamos pensando neles irem para Guamaré, onde há mais opções, porque aqui é parado e emprego só se arranja mesmo na pesca, ou na Prefeitura", aponta.

Porém Antônio Carlos da Silva, 44, é pescador em Guamaré e afirma que o fato de morar em um dos municípios mais "ricos" do Estado (que graças aos royalties recebeu este ano mais recursos federais que Ceará-Mirim, a quinta cidade potiguar mais populosa) não será garantia de uma vida melhor para os filhos de Luiz de Souza. "Até aqui esse dinheiro todo não serviu para fazerem nada por mim", ressalta.

Ele acredita que enfrenta as mesmas dificuldades dos pescadores de qualquer cidade litorânea e mesmo sabendo dos imensos recursos recebidos pela Prefeitura por conta do petróleo, nunca cobrou nada. Ainda assim, sabe onde esse dinheiro poderia ser utilizado. "Deviam ajudar a gente a comprar o material de pesca, que é caro, ou mesmo a negociar os peixes que pegamos", diz. Hoje, grande parte do lucro obtido na atividade fica com os atravessadores, que ganham cerca de 100% sobre o valor pago aos pescadores. Valor este que não muda há anos.

Francisco Batista da Silva, 50, que também mora em Guamaré, resume a sua impressão a respeito da cidade: "Cheguei aqui há 15 anos e até hoje não tive direito a uma casa. Para mim, Guamaré é a prefeitura mais rica, do povo mais pobre". Ele trabalha com artesanato e também planta, mas diz que nunca foi beneficiado com o dinheiro do petróleo que "entra a rojão" na cidade.

O mesmo diz o agricultor Vicente de Oliveira Lima, de 68 anos, para quem a única ajuda tem sido a de Deus. Ele reconhece que a extração de petróleo gera muitos empregos, mas sabe que não tem condição de disputá-los. "Não tenho estudo, meu estudo foi a enxada e a chibanca (instrumentos agrícolas)", afirma, lembrando que dos filhos, alguns trabalham como pedreiros e outros em limpeza.

Porém, quem mora em municípios sem direito a royalties ainda imagina que em Guamaré se viva melhor. O agricultor Francisco Vital dos Santos, 60, de São Bento do Norte, só não vai para a cidade próxima por conta do mesmo problema do seu colega de profissão: não tem estudos. "São Bento vive parada, não tem emprego. Sobrevivo de trabalhar na terra dos outros, ou pedindo esmolas. Agora, se tivesse aqui o que tem em Guamaré, ave Maria! Seria uma beleza. Aqui, só tem trabalho se for na Prefeitura", lamenta.

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