sexta-feira, 30 de novembro de 2007

ENTREVISTA DE CHICO BEATO


Entrevista concedida a José Mario e Silva Júnior para o Jornal de Upanema no ano de 2004
JU: O senhor nasceu aqui em Upanema?
CHICO BEATO: Sim, eu morava ali na Bo’água.
JU: Como o senhor soube da convocação para a Segunda Guerra Mundial?
CHICO BEATO: Era sorteado, mas eu não sabia. Então um dia, quando eu vim para a rua (zona urbana), Raimundo Cândido disse: menino, tu ainda estás aqui? Então ele disse que eu tinha sido sorteado. Eu perguntei: como é que você sabe disso? Ele disse: tá ali na lista. Eu fui mais ele e vi o meu nome na lista. Era para eu me apresentar de manhã para depois se não passava a submisso. Transporte não tinha.
JU: Como o senhor foi?
CHICO BEATO: Transporte não tinha naquele tempo. Então eu fui de pés. Eu saí à meia-noite. Quando foi 6:30 eu tava em Campo Grande. Era para falar com um homem e receber 20 mil réis e uma ordem para pegar o trem em Angicos
Cheguei aqui de tardezinha, cansado.
JU: E a viagem para Angicos?
CHICO BEATO: No outro dia eu fui dormir lá embaixo. Chegando lá tinha uns companheiros e fomos para Zé da Volta. Chegando contamos a ele que tínhamos sido sorteados e ele perguntou em que era que a gente ia. Eu perguntei: E aqui não passa carrro não? Ele disse que só passava um. Dias ele vem e dias não vem. Aí disse: pois tá bom. Se eu pegar um dia que ele não vem... Mas quando foi a hora o carro apareceu e deu certo a gente ir.
JU: Como foi a chegada em Angicos?
CHICO BEATO: Nós Chegamos de tardezinha e ficamos esperando a ordem, mas nós não tínhamos onde dormir. O trem só saía no outro dia. Aí eu fui pedir ao chefe do trem para dormir dentro dele. Ele disse: pois não, fique à vontade. O trem saiu no outro dia de 5 horas da manhã. Quando chegou a tardinha nós chegamos à Natal.
JU: E em Natal?
CHICO BEATO: Chegando em Natal já tinha um homem esperando para levar a gente para Santos Reis.
JU: Como era a vida no quartel?
CHICO BEATO: Assim que chegamos, tinha um sargento que ficou chateando dizendo que a gente ia sofrer muito, que não tinha roupa, que não ia existir lugar pra dormir. Quando foi no outro dia às 5 horas da manhã tocou o rancho e nós não sabíamos o que era. Naquele momento um de nós disse: esse povo que está se juntando vai para onde? Vamos atrás deles. Logo descobrimos que era para tomar café. Depois eu fui para o anti-aéreo. Lá nós ficamos até quando saímos. Eu não saí de Natal não. Fiquei só guarnecendo as praias.
JU: Qual era sua função lá?
CHICO BEATO: Eu era servente de projetor. Aquele bicho que lumeia o céu, isto é, um refletor. Sempre trabalhei naquilo.
JU: O senhor nunca saiu de Natal?
CHICO BEATO: Não. Fui escalado uma vez para ir para a Itália, mas não deu certo. Fui escalado outra vez para Fernando de Noronha. Também não deu certo. Tinha uns paulistas que choravam com medo de ir. Quando deu 8 da noite chegou a ordem para a gente não ir mais
JU: Como era a convivência no quartel?
CHICO BEATO: Lá tinham muitas brincadeiras: um desfazia do outro. Um dia pegamos um Tejo. Os nortistas disseram que na terra deles aquilo era um lagarto. Então um disse: na terra que um Tejo se chama lagarto eu não moro. Aí eles responderam: e vocês que dormem dependurados? (que era na rede).
JU: O Senhor tem encontrado com muitos ex-combatentes?
CHICO BEATO: Alguns. Outro dia eu fui a Natal e encontrei com um sargento que se chamava Trigueiro. Ele me deu um abraço e disse-me que não esperava mais encontrar-se com esse povo. Outro dia eu encontrei com um capitão. Ele disse: eu não tenho fé quando vejo esse povo porque é muito difícil encontrar um.
JU: O senhor sempre gostou de desfilar no dia 7 de setembro?
CHICO BEATO: Sim. Eu sempre ia também aqui a Mossoró, mas só tinha eu e Chico Miguel que ia. Ele disse que não ia, mas que não podia. Então eu deixei de ir. Eu acho muito importante esses desfiles, mas eu deixei de ir.
JU: No período em que o senhor esteve em Natal o senhor se comunicava com a família.
CHICO BEATO: Sim, eu sempre escrevia. Todos os meses eu escrevia para minha família e eles respondiam. Só era muito difícil porque ninguém sabia ler ou escrever.
JU: Qual sua palavra final?
CHICO BEATO: Foi uma experiência boa. Fui feliz e voltei. Hoje estou por aqui. Não sei quantos dias vivo. Estou muito satisfeito, graças a Deus.

3 comentários:

Anônimo disse...

Onildo
Fantástica a originalidade dessa entrevista com o saudoso Chico Beato.

Raimundo Costa disse...

Saldoso Chico Beato, muito amigo do meu pai,também saldoso muito conhecido como Chico Miguel, os dois, Ex combatentes, eram muito amigos e com certeza se encontrarão em outra vida para botar as conversas em dias.
Apesar de lê essa entrevista com atraso, gostei muito e confesso que meus olhos se encheram de lágrimas. Gostei muito.

Anônimo disse...

Hugo Maciel.

Muito bom saber que naquele tempo, em Upanema havia homens, que, missão dada era missão cumprida, saldoso Chico Beato, que Deus esteja com vc.