terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

Do repente ao rap

Por Tiago Canuto
Rap e Repetente. Há alguma coisa em comum entre esses dois estilos, além do “r” inicial? Vamos ver. O R.a.p. (Rhythm And Poetry) é uma música característica de um movimento: o Hip Hop, que é composto pela dança - o Break, atualmente street dance -, o grafite e o Rap. Ele Surgiu na segunda metade dos anos 70, nos guetos de Chicago, já que naquela época o negro pobre americano havia perdido suas principais formas de expressão musical, o blues e o jazz, por se tornarem elitistas e o Rock já não era o que se podia chamar de Black music. Partindo daí, gente como Africa Bambaata e George Clinton passou a juntar as bases simples e pesadas da Dance Music/Funk com rimas afiadas e letras socializadas. Pronto. O gueto negro tinha voz de novo. Surgiram então varias bandas, duplas e Clãs de Rap; a maioria vindo de gangs, cantando sobre exclusão e pobreza e todo que isso acarreta. O problema, como sempre, foi a seriedade. Pessoas fora do gueto começaram a pensar que aquela música era séria (de forma errada) e a comprar os discos. Agora é só completar a corrente: venda de discos, indústria aquecida, rapper’s milionários... os números eram sérios. De um dia pro outro não havia mais lugar para problemas de gueto nas letras antes politizadas do Rap. E lá se vão os trinta anos. Hoje, o estilo é o mais tocado no mundo todo (como já foi o Rock, o Reggae e como é o forró cá pra ‘nois’) e seus interpretes estão multimilionários e bem longe de qualquer lugar que lembre um gueto. Exceto claro, o terceiro mundo, aonde o Rap vai bem, obrigado, tendo matéria prima para muitas gerações de boa e ativista música. Não é a toa que a periferia mundial é atualmente considerada melhor fabricante deste enlatado e o Brasil é dos primeiros, evidentemente. O Repente, assim como o Rap, é uma manifestação assumidamente popular, tendo surgido no nordeste brasileiro a mais de cem anos. Alguns confundem o Repente e a Literatura de Cordel, mas os dois diferem em vários pontos, sendo o cordel uma literatura oral tipicamente nordestina, com seus romances ou folhetos geralmente impressos com capa em xilogravura. O Repente é feito pelo cantador repentista. No começo por necessidade - o artista repentista era geralmente de pouca instrução, tendo de improvisar sua arte – a cantoria de improviso acabou por atrair vários artistas e se difundir como expressão popular genuína, sem nunca fugir de suas raízes; coisa que não aconteceu com o Rap. O repentista improvisa versos de rima e métrica diversas, geralmente em dupla usando um tema aleatório sugerido. Ou não. Enquanto um dos repentistas improvisa; o outro dedilha a viola nordestina, ao passo que o primeiro conclui o repente tendo como final o tema em questão, o outro responde improvisando e terminando o dizer da mesma maneira, com acompanhamento de viola. Com menos intensidade que o Rap, mas de maneira progressiva e ininterrupta, o repente também esta tomando conta do mundo, tendo já público aficcionado em países tais como Portugal, França, Alemanha e Estados Unidos, dada sua admiração em festivais mundo afora e, claro, a qualidade dessa arte com bases nos trovadores da idade média – ainda assim, é difícil encontrar uma forma de expressão cultural mais legitimamente brasileira. Dessa forma, o Rap é a música de manifestação de um movimento que perdeu seu norte quando esqueceu os princípios nos quais se apoiou ao surgir, abrindo mão de sua autenticidade em troca de agrados fáceis (da mesma forma que a música baiana passou por um ‘boom’ nos anos 60/70 e transformou-se num ‘puum’ a partir da segunda metade da década de 80, mas isso é assunto pra outra conversa). O Repente soube manter-se fiel as suas origens, evitando digressões significativas, e chamado ainda de manifestação folclórica relevante, conceituada e reconhecida internacionalmente nesses tempos de globalização, quando as tendências são tão voláteis e carentes de criatividade. Sem medo de pecar, a admiração ao repente deve ser maximizada em detrimento da ‘preparação’ que é necessária para que o Rap aconteça, uma vez que a inteligência e astucia do cantador repentista pode ser testada, bastando a você escolher sobre o quê e como quer sua improvisação, demonstrando ser ele possuidor de um verdadeiro dom. E tenho dito.
Fonte: Jornal de Upanema

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